domingo, 3 de julho de 2011

A INTERPRETAÇÃO DO SANGUE

Como funciona a análise de manchas de sangue

Enquanto está em casa mudando de canal é provável que já tenha visto uma cena de crime em um dos vários programas sobre ciência forense na TV , como "CSI" (em inglês) ou "Dexter" e tenha notado algo que parece bastante incomum. Entre os técnicos procurando por digitais (em inglês) e coletando fibras capilares na cena do assassinato, a câmera foca uma série de marcas vermelhas passando pelo chão, parede, mesa e sofá. Todas parecem se juntar em uma área específica.

De repente, um investigador começa a relatar os fatos sobre o crime: quando ele aconteceu, onde o ataque ocorreu dentro do cômodo, qual o tipo de arma usada e a distância entre o agressor e a vítima. Como ele pode ter conseguido essas informações através das marcas?

As marcas em si não são importantes. Elas são simplesmente uma ferramenta para ajudar os investigadores e analistas a tirarem conclusões sobre uma substância que geralmente é encontrada em cenas de crime: o sangue. Estamos acostumados a ouvir que as amostras sanguíneas são usadas para identificar uma pessoa por meio do DNA. Mas o próprio sangue pode determinar vários aspectos significativos do crime, de acordo com o lugar onde ele cai, da maneira como cai, da consistência, do tamanho e do formato das gotas ou pingos de sangue.

No entanto, é claro que analisar respingos de sangue não é tão simples quanto os analistas de manchas de sangue fictícios como Dexter Morgan fazem parecer. Especialistas na área costumam dizer que isso é tanto uma arte quanto uma ciência. Se existirem várias vítimas e agressores, a análise se torna ainda mais complexa. Porém, um analista de manchas de sangue bem treinado e experiente geralmente consegue fornecer informações essenciais que levam à prisão e à condenação dos agressores.


Vamos começar pelo básico sobre a análise de manchas de sangue, como por exemplo, o que os respingos de sangue desse fluído podem revelar (e o que eles não podem).

Sobre o sangue

Por mais desagradável que seja lidar com isso, quando um crime resulta em sangue derramado, é ele que funciona como evidência para os investigadores. Um analista de manchas de sangue não consegue observar as gotas e manchas e dizer imediatamente quem foi o culpado, o que aconteceu e quando o crime ocorreu. A análise leva tempo e é apenas uma parte do quebra-cabeça quando os investigadores estão reconstruindo os elementos de um crime. No entanto, essa análise pode comprovar outras evidências e levar os especialistas a procurar por pistas adicionais. Depois de uma investigação rigorosa, as manchas de sangue podem indicar informações importantes como:

· tipo e velocidade da arma

· número de golpes

· destreza manual do agressor (os agressores tendem a atacar com a mão dominante do lado oposto do corpo da vítima)

· posição e movimentos da vítima e do agressor durante e depois do ataque

· quais ferimentos foram causados primeiro

· tipos de ferimentos

· há quanto tempo o crime foi cometido

· se a morte foi imediata ou se aconteceu depois de algum tempo

As manchas podem ajudar a recriar um crime por causa da maneira como o sangue se comporta. Ele deixa o corpo como um líquido que segue as leis do movimento e da gravidade. E se movimenta em gotas esféricas por causa da tensão superficial. As moléculas do sangue são muito coesas, ou seja, atraem umas às outras, apertando-se até ficarem de um formato com a menor área possível. Essas gotas se comportam de maneiras previsíveis quando caem sobre uma superfície ou quando uma força age sobre elas.


Lembre-se do que acontece quando você derrama gotas de água sobre o chão. O líquido cai devagar formando uma poça circular. O formato e o tamanho dependem da quantidade de água derramada, da altura em que estava o copo e se você derrubou sobre o carpete, madeira, linóleo ou alguma outra superfície. Uma grande quantidade de água forma uma poça maior. E se cair de uma longa distância terá um diâmetro menor. Em uma superfície dura irá manter uma forma circular, enquanto o carpete absorve um pouco da água e faz as margens aumentarem.


Respingos de sangue

O sangue se comporta de maneira muito parecida com as gotas de água derramadas. Um respingo de baixa velocidade geralmente é o resultado de gotas de sangue pingando. A força do impacto é de 1,5 metros por segundo ou menos e o tamanho dos pingos fica entre 4 e 8 mm. Esse tipo de mancha geralmente ocorre depois que a vítima recebe um golpe e não na hora em que ela é golpeada. Por exemplo, se a vítima é esfaqueada e anda pelo local sangrando, as gotas resultantes serão um tipo de respingo de baixa velocidade, conhecido como respingo passivo. Os respingos de baixa velocidade também podem resultar de poças de sangue ao redor do corpo de uma vítima e de transferências (marcas deixadas por armas ou manchas e rastros deixados devido ao movimento). Isso pode ocorrer com alguns ferimentos, como o sangramento causado por um golpe.


Um respingo de média velocidade tem uma força entre 1,5 e 30,5 metros por segundo e o seu diâmetro geralmente não é maior do que 4 mm. Isso pode ser causado por um objeto sem ponta, como um bastão, ou pode ocorrer quando a pessoa é espancada ou golpeada com faca. Ao contrário do que acontece com o respingo de baixa densidade, quando uma vítima é espancada ou esfaqueada, as artérias podem ser rompidas. Se elas estiverem próximas da pele, a vítima sangra mais depressa e o líquido pode jorrar dos ferimentos enquanto o coração continua a pulsar. Isso resulta em uma quantidade maior de sangue e em um padrão bastante específico. Os analistas chamam esse fenômeno de sangue projetado. Se usarmos o exemplo da água, um respingo de média densidade pode ser feito com uma arma com jatos de alta intensidade.


Os respingos de alta velocidade geralmente são provocados por ferimentos à bala, embora também possam ser causados por outras armas se o agressor aplicar muita força. Eles se movimentam com uma velocidade maior do que 30,5 metros por segundo e geralmente parecem com um borrifo formado por gotas pequenas, com menos de 1 mm de diâmetro. Os ferimentos causados por bala são únicos porque podem deixar respingos na frente e atrás ou apenas atrás. Isso vai depender se o projétil parou depois de entrar no corpo da vítima ou se o atravessou. Na maioria dos casos, o respingo na parte por onde sai o tiro é bem menor do que por onde a bala entra.

Os analistas sempre procuram por buracos ou espaços em branco nos respingos, que indicam que gotas de sangue caíram sobre algo (ou alguém) e não sobre as superfícies ao redor. No caso de vestígios de alta densidade, pode significar que o sangue da vítima caiu sobre o agressor. Às vezes, um respingo pode parecer de alta velocidade enquanto na verdade é um de média ou baixa velocidade. Gotas menores podem cair de pingos maiores de sangue. Um analista experiente procura pelas maiores para verificar se isso aconteceu. Esses tipos de gotas também costumam ser encontrados em lugares como o teto, enquanto o resto dos respingos está concentrado em outro lugar. As manchas de sangue também podem ficar umas sobre as outras, o que pode indicar qual ferimento aconteceu primeiro ou se foi causado por bala ou faca .

O tamanho e a força do impacto são apenas dois aspectos usados para conseguir informações sobre os respingos de sangue. A seguir, vamos ver os formatos e como os analistas usam fios, funções trigonométricas e programas de computador para mapear uma cena do crime.


Fios, senos e formatos dos respingos

A técnica de colocar fios sobre cada respingo é apenas uma maneira de determinar a área de convergência ou a fonte de sangue. A maioria dos programas de TV, como "Dexter," mantém o foco apenas sobre o analista observando os fios e relatando o crime, mas não mostra o processo envolvido. Nesse método, que é usado por vários analistas, o especialista documenta a localização de cada respingo usando o sistema de coordenadas. A seguir, ele estabelece uma base para demonstrar para onde o pingo está voltado em relação ao chão e ao teto.

Usando fios elásticos, o profissional coloca linhas a partir de cada respingo até a base. Depois, usa um transferidor na base da área onde os fios convergem para determinar o ângulo de lançamento de cada gota. Se estiverem principalmente na parede, é possível medir a distância entre a área de convergência e o objeto para descobrir onde a vítima estava.

Alguns analistas usam cálculos trigonométricos para descobrir a área de convergência. As medidas da mancha de sangue se tornam os lados de um triângulo retângulo: seu comprimento é a hipotenusa e a largura fica do lado oposto ao ângulo que o analista está tentando descobrir.

Primeiro é necessário localizar cada mancha e medir o comprimento e a largura delas usando uma régua ou compasso de calibre. Em seguida, calcular o ângulo usando essa fórmula:

ângulo de impacto = arco seno (lado oposto/hipotenusa)

Veja o que um analista precisa fazer para que a fórmula funcione:

1. medir o comprimento e a largura da mancha

2. dividir a largura da mancha pelo comprimento

3. determinar o arco seno desse número, geralmente usando uma calculadora que possua esta função.

Uma gota de sangue que cai perfeitamente na vertical ou formando um ângulo de 90° será redonda. À medida que o ângulo de impacto aumenta, o pingo fica cada vez mais longo e desenvolve uma "ponta" que indica a direção percorrida. Porém, seu comprimento não faz parte das medidas.


Quanto maior a diferença entre a largura e o comprimento, mais agudo será o ângulo de impacto. Por exemplo, imagine uma mancha de sangue com 2 mm de largura e 4 mm de comprimento. A largura dividida pelo comprimento seria igual a 0,5. O arco seno de 0,5 é 30, então o sangue caiu na superfície formando um ângulo de 30°. Em uma mancha com a largura de 1 mm e comprimento de 4 mm, o coeficiente seria de 0,25. Nesse caso, o sangue caiu na superfície formando um ângulo com cerca de 14°.

Um terceiro método envolve medir o comprimento e a largura de cada marca, realizar outras medições da área e passar esses dados para um programa de computador, como o No More Strings. Esses programas criam modelos tridimensionais e animações da cena do crime, além de indicar a área de convergência. Quando usados para apresentar alguma evidência podem ser mais convincentes do que declarações de especialistas cheias de jargões ou fotografias bidimensionais.


Até agora, vimos como a análise de manchas de sangue pode funcionar quando utilizada de maneira correta por oficiais da polícia bem treinados. A seguir, vamos conhecer a história da análise de manchas de sangue e ler sobre um caso que apresenta análises de sangue malfeitas.

História da análise de manchas de sangue

Embora a análise de manchas de sangue seja estudada desde o fim da década de 1980, os investigadores nem sempre reconheceram seu valor. O primeiro estudo conhecido foi realizado no Instituto de Medicina Forense, na Polônia, pelo Dr. Eduard Piotrowski. Ele publicou o livro "Concerning the Origin, Shape, Direction and Distribution of the Bloodstains Following Head Wounds Caused by Blows" (Origem, Formato e Distribuição das Manchas de Sangue dos Principais Ferimentos Causados por Golpes). Casos que incluíam esse tipo de interpretação só começaram a aparecer 50 anos mais tarde.

No caso do Estado de Ohio versus Samuel Sheppard, um depoimento com base em uma evidência encontrada em uma mancha de sangue foi apresentado pelo Dr. Paul Kirk. Esse caso, de 1955, tornou-se um marco pois foi uma das primeiras vezes em que o sistema legal reconheceu a importância desse tipo de análise. O Dr. Kirk mostrou a posição do agressor e da vítima, além de demonstrar que o suspeito atacou a vítima usando a mão esquerda.

Uma outra pessoa importante na área foi o Dr.Herbert MacDonell, que publicou o livro "Flight Characteristics of Human Blood and Stain Patterns" ("Características do Movimento do Sangue Humano e Padrões de Mancha"), em 1971. MacDonell também treinou a polícia em análise de manchas de sangue e desenvolveu cursos para continuar o treinamento de analistas. Em 1983, ele e outros participantes do primeiro Instituto Avançado em Mancha de Sangue fundaram a Associação Internacional de Análise de Manchas de Sangue (IABPA, sigla em inglês). Desde então, a área continuou a crescer e a se desenvolver. Agora ela se tornou uma prática padrão que deve ser feita pelos policiais durante uma investigação da cena do crime.

Um caso famoso que envolveu essa técnica é lembrado por um dito popular conhecido na Austrália (graças à Meryl Streep no filme "Um Grito no Escuro" e à Elaine Bennes no seriado "Seinfeld"): "The dingo ate my baby" ("O dingo - cão selvagem australiano - comeu o meu bebê").

Análise de manchas de sangue em ação: o caso Chamberlain

Em agosto de 1980, a família Chamberlain estava acampando perto de uma formação rochosa chamada Ayers Rock, na área central da Austrália. Lindy Chamberlain colocou os seus dois filhos, Reagan de quatro anos e Azaria de dois meses para dormir na barraca. Quando voltou, gritou "O dingo pegou o meu bebê!"


De acordo com Lindy, quando chegou à barraca viu um dingo arrastando algo de dentro dela. A mãe não estava perto o suficiente para ver o que era, mas quando foi verificar como as crianças estavam notou que Azaria tinha desaparecido. Ela e o marido Michael, junto com outros campistas, começaram então a procurar por Azaria. Uma campista vizinha, Sally Lowe, foi até a barraca para ver como Reagan, que dormia, estava. Encontrou uma pequena poça de sangue no chão e deduziu que Azaria provavelmente já estaria morta.

Assim que o guarda florestal chegou, Lindy lhe mostrou um cobertor ensagüentado e rasgado, além de objetos (que estavam dentro da barraca) com sangue. Porém, oficiais da polícia levaram apenas o cobertor. Já as roupas dos Chamberlains, que também continham manchas de sangue, só foram coletadas mais tarde.

Quando um turista encontrou o macacão do bebê perto da toca de um dingo, ele estava apenas um pouco rasgado e ensanguentado, mas a maioria dos botões ainda estava fechada. Ele estava arrumado como se tivesse sido puxado. O bebê estaria usando outras roupas que não foram encontradas. Um policial chegou ao local e, para o espanto de um turista, pegou o macacão e o dobrou. Além disso, uma equipe de TV (em inglês) declarou que a vestimenta havia sido encontrada daquela maneira.

Isso continuou a criar mais suspeitas sobre o envolvimento dos Chamberlains na morte da criança. A polícia afirmou ter encontrado marcas de sangue com o mesmo grupo sangüíneo de Lindy Chamberlain na caverna perto de Ayers Rock. No início, a pequena quantidade encontrada na barraca também era suspeita. No entanto, testes futuros no colchão do berço mostraram que ele havia absorvido uma quantidade suficiente de sangue que poderia resultar na morte de um bebê. Uma análise do macacão com lâmpada fluorescente mostrou a presença de uma mancha de sangue que poderia indicar que a garganta do bebê havia sido cortada.

Durante o caso, a polícia local lidou de maneira inadequada com as evidências. Eles não fotografaram ou tentaram preservar os materiais encontrados, o que basicamente invalidou muitas das conclusões. No entanto, o depoimento de um especialista provou ser o suficiente para condenar Lindy Chamberlain pelo assassinato e condenar seu marido como cúmplice. Três anos mais tarde, depois que mais uma peça de roupa de Azaria foi encontrada, Lindy foi libertada. Oficialmente, o caso permanece aberto.

Esse caso mostra o que pode acontecer quando a polícia não está treinada para realizar a análise de manchas de sangue. Quando o local é modificado e as roupas são lavadas, não há como recuperar as evidências. Se os oficiais tivessem realizado a investigação de maneira adequada, os Chamberlains poderiam estar presos ou, talvez, pudessem provar definitivamente que um dingo realmente comeu o bebê.